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Krishnamacharya e o Tantrismo - parte 1

por David Dubois


Krishnamacharya é o mais importante professor de yoga postural do século XX.

Como sua religião é frequentemente ignorada, gostaria de falar aqui sobre isso. De acordo com vários relatos concordantes, a religião estava no centro de sua vida e sua influência cresceu com a idade.

Mas qual foi essa religião?

Ele era de religião e comunidade Shrî Vaishnava.

Esta tradição tâmil adora Vishnu e Lakshmî, sendo esta última a intermediária entre Vishnu e a alma humana. Fundada pelo "mestre sábio" (Nâtha-muni morreu em 924, segundo a tradição) no século X, hoje ela se divide em duas sub-seitas. Krishnamacharya pertencia á [seita] dos Vadakalais, conhecida por enfatizar a tradição sânscrita, enquanto a outra seita dá preferência aos poemas Tamil dos santos Vaisnavas, os Ajvars.

Porém, o fundamento sânscrito dos Shrî Vaishnavas é a "Revelação das cinco noites" (pâncarâtrâgama), compreendendo 108 Samhitâs, ou seja 108 tantras, pois são de fato o equivalente vaishnava dos tantras shaivas. Hoje podemos ler alguns. Muitos são originários da Caxemira, e carregam a marca do Shivaísmo da Caxemira, notadamente da “filosofia do tremor” (spanda). Um Vaishnava, Utpala Vaishnava, nos deixou um comentário cheio de citações dos tantras do Pâncarâtra, comentário o qual eu traduzi o início, há pouco tempo neste blog.

Um dos tantras menos conhecidos do vishnuísmo é o Lakshmî Tantra. Você pode ler uma tradução completa em inglês aqui.

Dada a importância da Deusa Shrî / Lakshmî no Shrî Vaishnavismo, vale a pena insistir nele.

Este texto, talvez redigido na Caxemira em torno do século XII, é voltado para dentro. Não encontramos nada nele sobre templos e festivais, muito pouco sobre rituais. Tudo é focado na metafísica e o yoga, entendido aqui como ritual interior, sem posturas, evidentemente.

O Shivaísmo da Caxemira está nele em toda parte. Podemos dizer que este texto é uma visão do vishnuísmo à luz da filosofia tântrica do Reconhecimento (pratyabhijnā). Alexis Sanderson deu muitos exemplos da presença do Shivaísmo não-dual nos textos do Pāncarātra. Então eu me inclino aqui apenas no Lakshmî Tantra.

Este texto é o único, entre os tantras vishnuístas, centrado na Deusa. Encontramos nele as mesmas especulações sobre o alfabeto sânscrito e os mantras tal qual nos tantras de Bhairava do Shivaísmo.

Assim, a Deusa é a consciência, o poder de se velar ou revelar-se à vontade, através do jogo de seus poderes. Ela se contrai e se torna a alma.

Ela é o ser das coisas.

Ela é subjetividade, apontada pela palavra "eu".

Contém a doutrina da palavra de Brahman, o bãja hrãm, os cinco kalàs, etc.


Extratos:


ahaṃ nāma smṛto yo'rthaḥ sa ātmā samudīryate

O que é chamado "eu" é, de acordo com a tradição, o Ser (II, 3)

anavacchinnarūpo'haṃ paramātmeti śabdyate |

kroḍīkṛtamidaṃ sarvaṃ cetanācetanātmakam

O "eu", nunca interrompido nem delimitado,

é o Ser supremo, é dito.

Ele abraça nele

tanto aquilo que é dotado de consciência como aquilo que é inerte.

(II, 4)

(um glosa em sânscrito, publicado com o texto sânscrito,

parafraseia "ininterrupto" por "o que não é interrompido /

delimitado pelos objetos, etc.).


vastvavastu ca tannāsti yannākrāntamahaṃtayā |

idaṃtayā yadālīḍhamākrāntaṃ tadahaṃtayā //

Real ou imaginário, nada existe

que não seja infundido pelo "eu".

Todo "isso" é infundido do "eu". (II, 7)


apṛthagbhūtaśaktitvād brahmādvaitaṃ taducyate /

Como a Shakti não está separada (de Vishnu),

falamos da "não-dualidade do Imenso". (II, 11)

ahaṃtā sarvabhūtānāmahamasmi sanātanī /

Eu sou o eterno "eu"

em todos os seres. (II, 13)


ahamarthaṃ vināhaṃtā nirādhārā na siddhyati /

Sem a verdade apontada pela palavra "eu",

nenhuma subjetividade seria possível. (II, 19)


nirunmeṣe nirunmeṣā sāhaṃtā parameśvarīṃ //

kroḍīkṛtyākhilaṃ sarvaṃ brahmaṇi vyavatiṣṭhate |

unmeṣastasya yo nāma yathā candrodaye'mbudheḥ //

nimeṣastasya yo nāma saṃhṛtau paramātmanaḥ //

ahaṃ nārāyaṇī śaktiḥ sisṛkṣālakṣaṇā tadā |

Quando (Vishnu) fecha os olhos, essa subjetividade,

a Grande Soberana, fecha os olhos (ela também).

Ela então abraça o universo, e tudo

repousa no imenso.

Sua "eclosão" ou abertura de seus olhos

é como um nascer da lua sobre as águas do oceano.

A Deusa presente em todo homem como "eu"

Torna-se então intenso desejo de criar.

E assim, o seu "fechar os olhos"

Se reabsorve no Ser Supremo. (II, 20-23)


Se isso nem sempre é aparente na tradução Inglês (como acontece frequentemente), esta presença do Shivaísmo da Caxemira é perfeitamente marcante quando se lê o sânscrito.

No capítulo XIII (versículos 20 a 40), temos a doutrina muito secreta dos cinco atos, tudo na "linguagem" própria ao Kalî-krama.

Eu voltarei a isto em um próximo post.

E, para os pacientes e corajosos, haverá a tradução das passagens sobre o ritual da união sexual peculiar à tradição de Krishnamacharya.



Tradução: Thiago Goulart

Colaboração de pesquisa: Pedro Lemme


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